sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Capítulo Quinze - Quando Não Há Mais Nada Pra Se Dizer...

-Mas, vô, eu sou mesmo muito diferente dos outros adolescentes...
-Se cada vez que um adolescente dissesse que é diferente de todos os outros, eu ficasse um dia mais novo, eu é que estaria reclamando de ser diferente, se é que você me entende...
-Se é assim, então somos todos realmente diferentes uns dos outros, não?
-De certa forma, sim, mas aí é que está o problema, se todo mundo quer ser diferente, acaba sendo igual por querer ser diferente.
-Tá, mas a semelhança acaba aí...
-Teoricamente, sim, mas não é possível existir tantas pessoas tão diferentes. Além do mais os jovens, mas não só eles, pra se destacarem da multidão se juntam em grupos com pessoas iguais, que conhecem mais um monte de grupo de pessoas iguais, e ficam nessa contradição...
-Mas ainda assim é pouca gente perto dessa multidão de pessoas no mundo...
-Eu acho que ser original é um dos maiores problemas, talvez o maior, hoje em dia, com tanta informação por aí.
-Pois é.
-É.
-E então? Acabou o assunto?
-É, qualquer coisa que eu dissesse não ia fazer diferença, por que alguém já disse antes...
-Então te vejo mais tarde. Tchau, vô!
-Tchau.
E o velho foi dormir. Por que ao menos os seus sonhos eram criativos. Esquisitos. Mas criativos.

Capítulo Catorze - Quando Nada Mais Resolve...

Um homem entra pela porta, meio sem jeito, nunca acreditei nessas coisas, não, faz questão de enfatizar. A mulher do outro lado da mesa se limita a dizer com um sorriso enigmático:
-Ninguém nunca acredita... mas sempre querem a minha ajuda.
Ele senta na cadeira com todo o cuidado do mundo.
-Então, o que te fez procurar a minha ajuda?
-É... nem sei como dizer isso... Bem, eu nunca fui nenhum galã, como a senhora pode ver, mas já tive algumas mulheres na minha vida. Mas ultimamente a coisa tá feia, se é que você me entende...
Ela apenas balança a cabeça sem muita vontade, depois de dezessete anos ouvindo os mais estranhos e banais problemas, já não tem muita paciência pra gracinhas.
-Enfim, eu queria saber se a senhora poderia me ajudar.
Humpf! Sempre a mesma ladainha. Ela se levanta e sai pela porta atrás dela. O homem fica sozinho na sala, olhando curioso todos os símbolos, cores, crenças. Cinco minutos depois a mulher volta com um pequeno frasco com um líquido vermelho:
-Aqui. Uma gota por dia na nuca e pronto.
Ele estendeu a mão e agarrou o frasquinho como se fosse sua última salvação, nem prestou muita atenção ao que ela disse.
-Uma gota só por dia, ouviu bem? Nem mais, nem menos.
-Muito obrigado! A senhora não sabe como eu fico feliz. Quanto eu lhe devo?
-Nada, a primeira visita é grátis.
-Jura? E o líquido, - olhou atentamente o conteúdo dentro do frasco quando disse isso e poderia jurar que viu algo muito estranho, mas não sabia explicar bem o quê - é de graça também?
-Também. Aproveita esse dinheiro pra comprar umas roupas melhores...
Ele achou melhor não discutir e saiu agradecendo efusivamente.
-Próximo!
Dois meses e setenta e duas gotas depois ele volta nervoso porta adentro:
-Sua maluca! - gritou e mostrou o frasco meio vazio na mão - sabe o que essa poção do demônio ou seja lá o que isso for, me causou?
-Calma lá! O que houve? Não funcionou?
-Não, não é isso, funcionar, funcionou. Naquela mesma semana uma colega de trabalho começou a me olhar diferente, mas ela não é lá essas coisas... Então eu resolvi usar uma gotinha a mais, só pra ver se atraía algo melhor...
-Você o quê?! Você é que tá maluco! Eu disse uma gota! Uma gota! Nenhuma a mais, nenhuma a menos! Uma gota! - se as pessoas prestassem atenção ao que ela diz... - Mas afinal o que aconteceu de tão grave?
-Acontece que agora eu não tenho mais sossego... Elas vivem o dia inteiro atrás de mim! Eu não aguento mais...
-E não era isso que você queria?
-Era, mas não achei que ia ser tão ruim assim!
-Tá, tá, pára de reclamar! - Ela saiu e voltou com um outro frasco, dessa vez com um líquido azul dentro - isso aqui deve resolver.
Ele estendeu a mão pra pegar o frasco, mas ela não deixou.
-Esse aqui vai te custar um pouco caro.
Contrariado, pagou o preço salgado que ela exigiu:
-E ninguém mais vai me querer?
-Isso depende de você.
Ele não entendeu bem, mas tudo bem.
-E toma mais cuidado com teus desejos da próxima vez.
Ele saiu. E dessa vez não agradeceu.
Humpf! Sempre a mesma ladainha, ela pensou consigo mesma.
-Próximo!
Contam que um tempo depois alguns pedestres viram um homem correndo de uma bando de mulheres enlouquecidas, segurando um frasco, com algo vermelho dentro, na mão, feliz da vida. Vai ver ele não se adaptou a sua velha vida de rejeitado. Mas isso eu nem sei se é verdade...

sábado, 24 de dezembro de 2005

Capítulo Treze - Quandos As Coisas Tomam Um Rumo Inesperado

...e entram correndo num beco escuro e úmido. O barulho dos pneus passa direto, o único alívio que tiveram aquela noite. Descem do carro para se certificarem de que estão mesmo seguros. À frente um muro alto.
-E agora?
-E agora o quê? Eu preciso descansar..
-Tá maluca?! Não viu que eles vão atrás de nós até inferno?
-E daí? A gente vai ser pego de qualquer jeito...
-É, se a gente ficar parado aqui vai mesmo, mas talvez a gente consiga escapar...
-Eu não tenho mais vontade de continuar fugindo... se me pegarem tudo bem, que mal pode acontecer?
Antes que ele repondesse ouviram um barulho metálico que os assustou e os fez ficarem calados até descobrirem se tratar de um gato numa lata de lixo. Às vezes até os gatos podem ser assustadores, principalmente num beco escuro e úmido.
-Puta que o pariu! Gato filho-da-puta!
-Calma, nervosinho, o gato não tá atrás da gente...
-E deve ser o único na cidade inteira que não quer a nossa pele.
-Que exagerado!
-Ah, isso é que não! Você não faz idéia do que eles são capazes... você nunca ouviu as histórias terríveis dos que já passaram pelas mãos daquele bando de abutres... eles gostam é de sangue...
-Você acredita demais nos outros. Por isso é que se dá sempre mal. De qualquer forma se eles sobreviveram pra contar, não deve ser tão terrível assim... - concluiu com um sorriso nos lábios.
-Isso lá é hora pra brincadeira! A gente tem é que dar o fora já!
-Pois eu não vou! Se quiser que vá sozinho...
-Isso nunca! Eu não prometi que ia ficar com você pra sempre?
-Prometeu...
-Então eu vou ficar pra sempre com você, não importa o que acontecer. Mas eu não quero que nada de mal aconteça com você
-Mas eu não agüento mais! - e se sentou no meio-fio, a cabeça entre as pernas - eu só queria uma vida normal...
-Pois é, mas a culpa não é nossa... Depois que tudo isso acabar vai ser tudo melhor, eu prometo..
-Promete, promete! É só isso que você sabe fazer...
-Eu faço tudo o que posso! Queria mais o quê?
Ela pára, enxuga uma lágrima com a manga da blusa e se acalma:
-Sei lá...
Ele olha o relógio, precoupado:
-Escuta, entra no carro e a gente vai embora agora mesmo. Pra bem longe, onde eles não podem nos achar. Vamos?
Ela levanta devagar e entra no carro. O gato continua a mexer na lata de lixo.



...



Perto da linha de trem um carro preto fecha o caminho e os faz parar bruscamente. Dois homens descem e se aproximam e puxam os seus revolvéres de dentro do paletó. Ele sussura:
-É agora. Faça exatamente como combinamos.
-Tudo bem.
-Só mais uma coisa...
-O quê?
-Te amo.
-Eu também te amo.
Quando os dois homens chegam perto são surpeendidos e mortos. Estava tudo escuro, não posso dizer como aconteceu exatamente.
O carro do casal sai disparado e de tão eufóricos (e de tão escuro que estava) nem percebem que havia um penhasco depois da linha do trem.
Três dias depois encontraram os dois corpos de mãos dadas.




(Observações a respeito do texto:
1- Espero que tenham paciência pra ler. As pessoas que visitam blogs não costumam ler textos com mais de três parágrafos;
2- Este texto foi feito sob o efeito de:
-Secret Agent Man (Johnny Rivers),
-Miserlou (do filme "Pulp Fiction"),
-Twiggy, Twiggy (Pizzicato Five),
-a música tema do Inspetor Bugiganga,
-filmes policiais baratos norte-americanos
-e de alguns bombons de licor;
3- Eu quase fiz um final mais sério. É isso que dá se envolver tanto com as histórias;
4- Esse texto foi de um jeito diferente, foi sendo escrito enquanto vinha à minha cabeça. Mas não sei por que isso interessaria à alguém;
5- Esqueci qual era a última observação.)

E agora com licença, que eu tenho mais o que fazer.

Capítulo Doze - Caçador de Borboletas

A criatividade é algo que vem quando menos se espera. Não adianta forçar, não adianta fingir que não tá nem aí, nem adianta ficar falando sobre isso.
Acontece assim: você está lá, sossegado e de repente: bum! Uma grande idéia aparece (talvez nem tão grande, mas depois de ficar tanto tempo procurando algo, qualquer coisa parece a melhor coisa do mundo, pelo menos por um tempo).
É fato conhecido que nenhum artista trabalha bem sob pressão. Depois da idéia, vem a hora de colocá-la em prática e isso exige muito esforço, que não é nada sem aquele estalo inicial no cerébro, que é como aquela lâmpada que se acende na cabeça dos personagens de desenhos animados, aquilo que te acorda no meio da noite e te faz levantar da cama pra anotar por medo de esquecer. Pois nunca se deve se disperdiçar uma boa idéia, que é como uma borboleta, vem à sua cabeça e se não apanhá-la ela foge e quando volta está velha e desbotada.
Depois de apanhá-la é preciso colocá-la numa moldura bem bonita e mostrar pra todo mundo. Assim, que nem eu fiz...

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Capítulo Onze - De quem é a culpa?

-Tinha que fazer isso logo aqui?
-O quê?
-Não se faça de idiota!
-Mas eu não fiz nada!
-Ah, é? Se não foi você, então quem foi?
-Você, oras! Só estamos nós dois aqui. Se não fui eu, foi você.
-Ah, claro, só por que você quer! Faz as coisas e põe a culpa em mim...
-Mas isso é que não! Escuta, eu sei que foi você, você sabe que foi você, então pra que negar?
-Ei! Quem está negando é você!
-Eu mereço! Por que tá mentindo se não adianta nada?
-Tá! Já que é tão importante pra você eu admito!
-Tá vendo, eu sabia!
-Ah, quer saber, vá te catar!
-Ei, volta aqui! Eu estava só dizendo que...

Capítulo Dez - Auto-afirmação

Eu escrevo
quando
eu quiser.


Capítulo Nove - Pra além do surreal ou Eu já tô ficando muito convencido

Vinha andando pela rua escura noturna soturna, pensando na vida e nos elogios recebidos e em todo mundo que tá me mandando trabalhar. Pensando também no que vai dar este texto.
Já que o Joãozinho há tempos não aparece por aqui e o psicanalista me mandou fazer um texto por livre-associação. Logo eu que nunca dei muito crédito pra velhos tarados? Me disseram que andam me dizendo muita bobeira e que não devo prestar atenção no que me mandam. Obedeci e não segui o seu conselho.
Os dois se transformaram em três quando surgiu mais um monstro de duas cabeças na minha dupla personalidade. Mas isso não tem nada a ver com o resto. De tudo.
Contudo soube que às vezes coisas que parecem sem sentido podem fazer muito sucesso, desde que tenha algumas cenas de sexo e/ou violência e que tudo isso tá na natureza humana, foi o que me disseram.
Isso tudo eu pensava na rua e até que o texto que me surgia na cabeça tava ficando bom, apesar da preguiça crônica e genética que me acompanha desde o nascimento, mas um bigorna veio do céu e me atingiu. E como já não me bastasse esse sofrimento ainda me disseram que preciso arranjar um estilo próprio. Ces't la vie.


(esse é um texto ficticio, qualquer semelhança com a vida real me avise que eu sempre quis ver uma bigorna cair na cabeça de alguém)

Capítulo Oito - América uma ova!

Aquele cara e seu amigo com muito esforço conseguiram uma passagem pra embarcar no Titanic e ir à América viver bem como lhe disseram. Infelizmente (ou felizmente?) era um jogador compulsivo e num jogo de pôquer quando já estava sem nada resolveu apostar as passagens do navio. Perdeu e não pôde embarcar, ficou um tempo se lamentando enquanto trabalhava no porto onde soube que o navio tinha afundado...
Como era muito esforçado e depois de ter perdido as passagens nunca mais jogou, logo conseguiu um dinheiro e abriu um comércio.
Viveu até os oitenta e poucos anos quando morreu afogado na sua piscina.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

Capí­tulo Sete - O Capítulo Sete nunca existiu

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Capítulo Seis - A não-tão-fantástica fábrica de chocolates

Quando todos ficaram sabendo da novidade foi um alvoroço, praticamente não se encontravam mais barras do chocolate que estava fazendo uma promoção incrível: quem achasse o bilhete dourado poderia fazer uma passeio pela misteriosa fábrica.
Um garoto comprou muitas barras, tantas quantas sua mesada permitia. Mas não achava nenhum bilhete dourado e eles já estavam acabando! Só restava mais um.
Afinal um garoto paraguaio achou e o garoto ficou muito triste, principalmente depois de descobrir que aquele era falsificado e que o verdadeiro tinha sido encontrado pelo seu vizinho esquisito que vivia com o avô pra cima e pra baixo.
E pra piorar a situação seu pai foi demitido. Ao procurar emprego na fábrica de chocolate, que agora pertencia ao loirinho esquisito, não passou no exame médico, por que tinha mais de um metro e dez, não era verde nem sabia cantar "woompa loompa dumpa dee doo".

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Capítulo Cinco - Se eu fosse um bicho, eu seria um tartaruga.

A única coisa que nunca muda em mim é essa vontade de sempre mudar. Paradoxo ou mentira?
A vida não é bela. Nem totalmente injusta. Nem tudo é preto ou branco, há os vários tons de cinza. E todas as outras cores, inclusive aquelas que você não vê.

Coerência?

Com a trilha sonora certa, até uma criança brincando na praia pode parecer uma cena triste. Alguém que já morreu sempre parece meio triste quando aparece na tv, mesmo que estivesse alegre. Algumas tartarugas vivem quase duzentos anos. Existem alguns insetos que vivem somente algumas horas. Os alcoólicos anônimos vivem um dia de cada vez. Tem gente que sobrevive com menos de um dólar por dia. Eu deixei de viver já faz um tempo. E todo dia nasce mais gente do que morre. Mas todo mundo morre.

Eu acho.

A morte é a única certeza na vida? Eu diria que a única certeza na vida é estar vivo. Outra certeza é que todo mundo nasceu. Todo mundo respira, todo mundo come (apesar de uns malucos que dizem fazer fotossíntese), todo mundo bebe. Todo mundo defeca, todo mundo urina. Todo mundo pensa (pensar coisas inteligentes já é querer demais), todo mundo tem um coração batendo.
A vida é muito mais previsível do que me ensinaram.

Eu não precisava escrever tanto. Precisava sim. Dormir também seria legal. Ou escovar os dentes. Ou escovar os dentes e depois dormir. E daí que são nove e meia? Já dei comida para os cachorros mesmo. Pra gata, não, eu não sei onde ela está. Gente pelada é uma coisa engraçada. Eu queria ficar pelado, mas tenho vergonha. Nos meus sonhos às vezes eu estou pelado. Só eu e ninguém parece notar, mas mesmo assim fico com vergonha. Freud explica. Eu não, nem quero saber.

As idéias começam a falhar. A ignorância de vez em quando faz bem. A sabedoria também. Rimar é legal. Então pega no... Êpa! Sem baixaria!
(Não se ofenda, eu me arrependi desta última frase.)

Adolescente só pensa em sexo e música. Talvez em fazer sexo ouvindo música. Alguns pensam em se matar também. E a morte já apareceu demais neste texto. E hoje está um péssimo dia pra se matar. Está ensolarado lá fora e eu ouço passarinhos cantando! Isso quando os carros param de passar.

Isso tudo não faz muito sentido, então fico pensando como poderia acabar, por que eu não queria acabar de repente. As tartarugas podem se esconder dentro do próprio casco. Eu tenho que usar o meu cérebro. Pra inventar algo pra me esconder, não pra me enfiar dentro. Sentir culpa é foda.

E a vida não é boa nem má. Mas segue em frente. Então deixa eu ficar de mau-humor, nem que seja por enquanto. Só.

domingo, 11 de dezembro de 2005

Capítulo Quatro - Alívio

Ele ajeita a camisa suja, ou melhor, desajeita, pra parecer ainda mais necessitado. O "mercado" anda muito disputado e ele sabe que tem que atingir o coração das pessoas, fazer elas não raciocinarem muito. Ainda que isso às vezes possa ser um problema, se vierem à tona sentimentos de desprezo ou mesmo ódio.
As portas abrem e ele sente um frio na barriga, apesar de não ser a primeira vez. E entra. Espera o vagão entrar em movimento e começa o mesmo discurso, pedindo licença e sua atenção, por favor, algumas vezes, talvez pra tomar coragem. O que pouco adianta, praticamente só as crianças lhe dão atenção. Aquela história é nova pra elas, é diferente, não é como tantas outras tantas que vão ouvir até poderem ignorar um pedinte num trem do subúrbio.
Algumas poucas moedas rolam vacilantes até a mão do velho (ao menos na aparência) homem. As portas abrem novamente e ele sente alguém esbarrar, todo o dinheiro voa no chão, os pivetes apanham e saem correndo com inacreditável habilidade. Os passageiros sentem dó mais uma vez do homem, mas fingem não ver, é mais fácil assim. Tudo o que ele pode fazer agora é acompanhar a trajetória dos garotos e lamentar. Lamentar.
Ele ouve outro trem se aproximar, o que é um sinal de que ficou parado ali na plataforma um tempo considerável, os trens no subúrbio sempre se atrasam. Dá meia volta e admira a força e tamanho da máquina que se arrasta lentamente, como que cansada da vida. Ao menos alguma coisa tinham em comum. Ele sentiu vontade de abraçar o trem e desceu a plataforma.

Naquele final de tarde os trens se atrasaram mais do que o normal.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

Capítulo Três - História de amor ou alguma outra disfunção hormonal

Era um dia de sol. Domingo, eu acho. Domingo de sol, ruas vazias, corações sem rumo, ou algo brega assim.
Ela andava despreocupadamente preocupada, como sempre, desde que foi abandonada. Não era o que o ex dizia. Foi quando ele apareceu. Do nada. E ela quase caiu aos pés dele. Literalmente. Já ia xingar o apressadinho quando viu o rosto mais lindo de todos, ou um clichê qualquer desses.
-Tá fugindo de alguém?
-De mim mesmo, acho.
-E se eu te protegesse? - E abriu o sorriso mais lindo do mundo, ou algo mentiroso assim, como ela diria tempos depois.
E em frente àquela casa, no local em que se esbarraram, naquela tarde deram o primeiro beijo.
Por isso (ou pelo preço) compraram aquela velha casa em suaves prestações. Por que toda história de amor que se preza tem que ter prestações. Apaixona-se desesperadamente, ama-se sem perceber quando e tudo acaba aos poucos. Foi só com eles?
Me disseram, o estopim foi uma toalha molhada na cama. Ela que deixou. Ou outra coisa que é o contrário do comum. Me disseram também um algo voou pela janela.
Trocaram o vidro quebrado. O coração, não. E só sobrou uma placa pro fim desta história: vende-se esta casa desesperadamente. Ou qualquer outra coisa incomum escrita assim.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Capítulo Dois - O Corpo

Ela olha e não acredita no que vê. Não pode acreditar que foi a culpada, mas como poderia saber? Afinal ele é que veio procurar prazer ali. Isso mesmo: prazer. E não adianta vir com esse papo de necessidade que ela não acredita. Sabe que na sua casa se escondem os maiores prazeres pra esse tipo de ser repugnante.
Mas o que importa agora não são os culpados nem os motivos, o problema é o corpo boiando na sua frente. O que fazer?
Olha para os lados: ninguém à vista, menos mal, assim é mais fácil. Mas então, retirar com as mãos nuas? Poderia usar algo que a ajudasse, mas como sem ninguém perceber?
-Te odeio - disse para o morto com os dentes cerrados pra abafar o som da sua voz.
Então uma idéia repugnante veio à sua cabeça. Negou com veemência a idéia a princípio, mas achou que não haveria outra saída. O marido já estava chegando. Prendeu a respiração e bebeu de uma vez só o leite-com-café-e-formiga-boiando.
-Tudo bem, querida?
-Claro. Me faz um favor?
-O quê?
-Pegue outro pacote de açucar, o açucareiro está cheio de formiga.

Capítulo Um - Poeminha Bobo de Carnaval

Se sou o pior dos seres
É pra ninguém se sentir mal
Perto de mim

Mas também
O que eu poderia esperar
da vida
Se nasci no Bomfim?