terça-feira, 16 de outubro de 2007

Capítulo Sessenta e Seis - Tudo bem

Ela parou na beira da calçada, os olhos fitando o nada. A avenida movimentada.
Do outro lado da rua, o homenzinho vermelho se impunha, a pose ereta, quase militar, ordenando que todo mundo continuasse parado. Ela baixou os olhos, acostumados a ver o chão. O cadarço desamarrado.
Com muito esforço ela se abaixou para amarrá-los. E as outras pessoas começaram a andar. Ela levantou a cabeça; o homenzinho vermelho tinha ficado verde. É preciso se mover, é preciso andar, é preciso não ficar parado. E os carros faziam barulho, impacientes. A larga avenida à frente e ela ali parada. O homenzinho verde a incentivando a se mexer. Talvez ninguém nunca a tivesse incentivado antes, talvez ela nunca tivesse prestado atenção. Sentiu vontade de sair correndo. O cadarço amarrado, a larga avenida vazia por uns segundos. E correu.

Ela nunca se sentiu tão livre na vida. Ou talvez nunca tenha dado atenção à sua liberdade. O vento na cara, os pés quase não tocavam o chão.
Os carros agoram corriam ao lado dela e buzinavam e gritavam "louca, louca" e xingavam, se assustavam. Era fim de tarde e o sol já tinha sumido atrás dos prédios. Correr. Correr e atrapalhar a vida dos outros. Isso era liberdade.

Já perto da esquina, ela ouviu sinos. Sinos de glória, sinos de vitória. Ou sinos da igreja marcando as seis horas?
Tarde demais ela percebeu que não eram sinos. Eram sirenes. Uma sirene. Ambulância. Vinda da outra rua, acertou ela em cheio quando cruzava a esquina, correndo. Voou até a calçada, batendo forte contra um muro. E que ambulância haveria de adivinhar uma maluca correndo às seis da tarde? (Eram mesmo seis da tarde? O sol se escondia atrás dos prédios.)
E a ambulância nem parou. Quem quer que estivesse morrendo sacudindo dentro da ambulância, provavelmente estava morrendo mais que ela. Ela nunca se sentiu tão viva em toda a vida, a cara sangrando, o corpo doendo.

Alguém haveria de se apiedar da cena patética. E se não, tudo bem. Quem precisa viver mais de uma vez na vida?

8 Reclamação:

Em 31 de out. de 2007, 18:23:00, Anonymous Anônimo escreveu:

meu deus! então vc movimenta a trama aqui tb!
q armadilha! hahahahaha
...não li nenhum capitulo da sua novelinha malhação hahahahaha mas já esperava isso de mim, não é? hahaha

mas parabéns pelo projeto!

carolina carolina

 
Em 1 de nov. de 2007, 13:29:00, Anonymous Anônimo escreveu:

Putz Thiago, fora o conto em que aperece o cachorro morto na sequina, este talvez seja o mais existencialista dos seus que eu já tenha lido... Mas realmente liberdade é incomodar todo mundo as seis da tarde...! Um conto incomum de sua parte, talvez eu pudesse citar...(rs).

E, como já lhe avisei antes, são 2 "reaclamações", por mais que "reclamação" seja muito mais engraçado...!

Até logo...

 
Em 1 de nov. de 2007, 13:30:00, Anonymous Anônimo escreveu:

Corrigindo: 2 "reclamações"...

E mais nada...

 
Em 5 de nov. de 2007, 00:24:00, Blogger Moon Safari escreveu:

Coitada, Tiago

 
Em 7 de nov. de 2007, 14:55:00, Blogger yusanã escreveu:

Poxa, nem senti pena dela não, sunset. Não senti mais pena dela do que de nenhuma outra pessoa. Enfim, gostei pra caralho. A última frase é sua mesmo? Achei linda.

 
Em 23 de dez. de 2007, 20:21:00, Anonymous Anônimo escreveu:

As vezes eu tento me convencer que você nem é tão legal assim, mas eu venho aqui e vai tudo por agua abaixo.

 
Em 5 de jan. de 2008, 10:24:00, Blogger .leticia santinon escreveu:

E o capítulo 67?

 
Em 17 de jan. de 2008, 22:50:00, Blogger Moon Safari escreveu:

Esse blog, meu vício
Mesmo sem atualizar
Já estou decorando alguns caíptulos
Mas vê se volta...

..
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