domingo, 20 de janeiro de 2008

Capítulo sessenta e sete - Ladainha

É sempre onde menos se espera que se encontra o que não se quer. Minha obsessão por ser diferente tem me afastado cada vez mais e mais e mais e mais das pessoas. Os diferentes envelhecem e querem ser iguais a todo mundo. Querem ser iguais ao que já são. Há segurança em não precisar mudar. Há tédio.

E eu que já sou velho demais pra me meter com adolescentes. Já não tenho mais paciência. Nunca tive paciência, só tenho preguiça. Isso eu tenho de sobra. Mas sempre confundi preguiça com paciência.

O dia-a-dia não me interessa. O fora-do-cotidiano não me interessa. Não quero saber das grandes questões do universo, não quero saber o preço do feijão. Quero me refugiar na ficção. Quero mentiras, quero inventar, quero não querer. O que eu não tenho devia parecer interessante. A grama do vizinho morreu faz tempo. O vizinho é que teima em viver.

Meu vizinho um dia acordou morando em outra cidade. Fato que claramente causou uma baita confusão. Como posso chamar de vizinho alguém que mora em outra cidade? Deveria eu mudar de cidade também? Deveria deixar de chamá-lo de vizinho? Mudar esse antigo hábito?

Tomei o ônibus e desloquei-me até a cidade vizinha pra falar com meu vizinho. Ele não fazia idéia de como se deu essa mudança, mas que até gostava da nova vizinhança. Tentei fazer com que ele visse meu lado. Era justo que continuasse morando do meu lado, depois de tantos anos. E aquela vez que te emprestei açúcar? Quando você foi viajar, alimentei os peixeis do seu aquário. Nunca botei o olho na sua mulher. Nossos filhos brincariam juntos um dia. Nossa casa é geminada, sei de segredos seus, sei da sua índole, seus hábitos, a cor do seu roupão. Não posso ter um vizinho novo. Aprendi a gostar de música clássica ouvindo os seus discos, que você tocava aos domingos de tarde, enquanto eu tentava dormir. Me separo da minha mulher, mas de você não saio do lado. Você é o meu outro, é através dos seus olhos que entendo metade do mundo. Foi com você que aprendi a ser tolerante com quem não é eu mesmo.

Meu vizinho me olhou assustado aquela manhã.