quinta-feira, 29 de junho de 2006

Capítulo Cinqüenta e Seis - Sobre cachorros mortos e marchas apropiadas para o momento

-A marcha nupcial?
-É, a marcha nupcial. Aquela música que toca quando a noiva entra na igreja.
-Eu sei que música é. Mas é estranho alguém ficar com a marcha nupcial na cabeça.
-Você nunca ficou com uma música grudada na cabeça? Geralmente uma música ruim que você não consegue parar de cantarolar.
-A marcha nupcial é ruim?
-Não sei, nunca parei pra pensar nisso. É o tipo de coisa que você conhece desde sempre e nunca questiona.
-Você acha que a gente devia questionar a marcha nupcial?
-Olha, você está desviando o assunto.
-Tudo bem, continue.
-Então, lá estava eu assoviando a marcha nupcial na rua, era tarde da noite. Quando eu viro a esquina e dou de cara com um cachorro morto.
-Cruzes! Morto?
-Morto. Pelo menos tava lá estendido, parado. A gente sente quando vê alguma coisa morta, sabe?
-Sei bem como é.
-Pois então, não é estranho?
-É sempre estranho ver algo morto.
-Não, estou falando de eu ver o cachorro morto justo quando tava assoviando a marcha nupcial.
-Foi uma coincidência, oras. Talvez um pouco macabra, mas uma coincidência.
-Mas justo a marcha nupcial? Se ainda fosse a marcha fúnebre...
-Aí seria um filme de terror... Peraí!
-Que foi?
-O cachorro: era macho ou fêmea?

Capítulo Cinqüenta e Cinco - Quem precisa de uma idéia?

-Você viu uma idéia minha por aí?
-Perdeu de novo?
-Mas essa é nova, eu tinha comprado hoje de manhã. Nem tinha usado.
-Você não usou, né? Por que aposto que não era original. Você compra idéia em cada lugar...
-Ah, mas o cara me garantiu que era semi-nova. Só tinha sido usada num texto chinês do século VIII. E mal usada.
-E quem ia lá se interessar por uma idéia dessas?
-Ah, tá na moda modernizar idéias antigas.
-Tá. Mas como era essa idéia?
-Bom, não era muito grande, não. Tinha só uns dois ou três personagens. Uma história de amor, coisa batida, eu sei. Mas tinha algo de diferente que eu não lembro o que era. Por isso que eu tô procurando ela.
-Será que seu irmão não pegou? Você sabe que ele adora roubar as suas idéias...
-Não, não foi ele dessa vez, não. Eu vi o que ele tava escrevendo.
-Mas você também, hein? Podia ter um pouco mais de cuidado...
-Eu coloquei ela aqui nessa caixa! Juro que tava aqui hoje de manhã.
-Será que a empregada não colocou pra reciclar achando que era idéia usada?
-Ela não costuma mexer nas minhas idéias, diz que tem muita safadeza...
-Também, depois daquela história sobre a vida sexual da tribo de adoradores do deus-gorila e seus sacríficios... não gosto nem de lembrar...
-Mas foi você mesmo que me levou naquela exposição de idéias inovadoras e excêntricas...
-Eu só estava curioso. Você que se empolgou.
-Achei que aquilo fosse te animar. Com o fracasso do seu último livro, você estava tão pra baixo...
-Fracasso? Vendeu mais que o seu...
-Mas pelo menos não ouvi críticas pesadas como as suas...
-Claro, os críticos nem lêem mais seus livros. Criticar você é chover no molhado.
-Ah, é? Pelo menos tem gente de verdade que compra meus livros! E aposto que foi você que roubou minha idéia, seu invejoso!
-Ah, me esquece vai...

Capítulo Cinqüenta e Quatro - Enquanto isso, perto do banheiro masculino...

-Com licença, você vem sempre aqui?
-Você podia ser um pouco mais original, né? Essa cantada meu vô usava...
-Não, eu só queria saber se você conhece o lugar por que eu preciso saber onde é o banheiro.
-Ai, me desculpa, é que esses caras ficam incomodando a gente, então nunca se sabe...
-Tudo bem, mas é que eu realmente preciso ir ao...
-Banheiro, já sei. É logo ali..
-Ah, obrigado.
-Mas toma cuidado.
-Cuidado? Por quê?
-O cheiro desse baheiro não é nada agradável...
-Ah.. - e ele já ia entrando no banheiro quando se deu conta - Como é que você sabe?
-É que dá pra sentir do banheiro feminino
-Claro! Com licença...
-Espera aí, você nem me disse o seu nome...
-Desculpe - e feitas as devidas apresentações - Agora...
-Nem precisa dizer. Olha, eu até que gostei de você. Se importa se eu te esperar aqui?
-Não, claro que não.
-Só mais uma coisa, você está sozinho?
-Não, estou com uns amigos. - na verdade ele estava sozinho e bebendo muito, por isso precisava ir ao banheiro. Sozinho que nem ela.
-Eu também estou com umas amigas. Vai lá, já estou te incomodando.
-Imagina... Com licença.
Entrou no banheiro, fez o que tinha que fazer e pulou a janela. Só pra não ter que voltar lá e conversar com aquela chata maluca.

E nem pagou a conta.

Capítulo Cinqüenta e Três - Bonita mesmo

-Mas ela é bonita mesmo?
-Linda.
-Mesmo?
-Bonita até em foto 3x4.
-Puxa, então é bonita mesmo.
-Você não tá entendendo como ela é bonita.
-Eu acredito no que você disse. De verdade.
-Ela é bonita em foto 3x4 tirada nessas máquinas instantâneas.
-Puxa.
-E ainda com o cabelo despenteado e a cara amassada de quem acabou de acordar.
-Tá, já entendi..
-Perdão, sem a cara amassada por que a cara dela não amassa quando dorme.
-Sei...
-É verdade! Bonita em foto 3x4 tirada nessas máquinas instantâneas, com o cabelo despenteado, fazendo careta e chupando manga.
-Ah, você tá de sacanagem comigo! Tá querendo me dizer que você tá namorando a mulher mais linda do mundo?
-Não, eu terminei com ela.
-Por quê?
-Era uma chata de galocha.

sábado, 24 de junho de 2006

Capítulo Cinqüenta e Dois - Balada de lamentação pela morte de um bom amigo

Desculpa por te matar, meu amigo
Mas você há de concordar
Qualquer um perderia a cabeça
Ao descobrir que a mulher lhe traiu com o próprio amigo
Enquanto viajava a negócios para Manducaia
Em pleno feriadão

Eu juro, caro companheiro
Que aquela faca era só pra assustar
E foi uma tremenda falta de sorte
Ter voado da minha mão quando eu escorreguei
[naquela casca de banana

E ter ido parar no seu coração

Ainda lamento, infeliz colega
Por não ter ido ao teu velório
Consolar teus filhos, tua mãe
E aqueles teus primos que não te viam
Desde mil novecentos e setenta e nova
E que vieram só pro teu enterro

Ah, pobre parceiro!
Se eu pudesse voltar atrás

.....aaaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhhh!!!!!!!!!.....


......eu nunca quis te matar, eu nunca quis te matar, eu nunca nunca nunca, nunca quis te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, te matar, matar matar matar.