quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Capítulo Trinta e Cinco - Liberdade é uma palavra perigosa (título provisório)

Amarelinho era um passarinho. Um pássaro canoro qualquer, azul, mas com uma manchinha amarela no peito, razão do seu nome. Ainda pequeno, Amarelinho foi achado machucado e caído no meio de uma rua de uma cidadezinha interiorana e encantou o seu Adamastor, carpinteiro de profissão, com o piado agudo. Seu Adamastor cuidou dele e o colocou numa velha gaiola de madeira e lá Amarelinho cresceu, cantando cada vez mais bonito. Amarelinho não conhecia outra vida que não aquela, cantando e bebendo água fresca todo dia.
Mas o tempo, que não sabe fazer outra coisa a não ser passar e passar, passou. E o pássaro envelheceu. Envelheceu mais do que o seu dono, que era gente. E todo mundo sabe que gente costuma viver mais do que passarinho, especialmente os passarinhos que vivem em velhas gaiolas de madeira. E foi ficando assim menos vigoroso, meio sem voz, dava até pena de ver. Daí seu Adamastor, que era gente mas também tinha coração, resolveu soltar o bichinho. Foi até o quintal e abriu com cuidado a gaiola. Amarelinho estranhou o rangido, foi até a abertura e colocou o bico pra fora. O velho animou:
-Vai, 'marelinho, vai. - e fez um gesto com a mão pra ele ir embora.
Amarelinho pareceu se animar, abriu as asas e foi direto ao chão. O carpinteiro o juntou e o levantou bem alto com a palma da mão. Dessa vez ele conseguiu voar. Voou bem alto, como se nunca tivesse voado na vida. Passou por cima da casa e quando chegou do outro lado da rua, o filho do vizinho, moleque levado, acertou Amarelinho com uma pedra lançada com o seu estilingue (ou atiradera, eu não sei que lugar ficava essa cidade).
E uma lágrima deve ter caído do olho cansado do seu Adamastor por ver seu passarinho livre pro resto da vida.