Capítulo Sessenta e Seis - Tudo bem
Ela parou na beira da calçada, os olhos fitando o nada. A avenida movimentada.
Do outro lado da rua, o homenzinho vermelho se impunha, a pose ereta, quase militar, ordenando que todo mundo continuasse parado. Ela baixou os olhos, acostumados a ver o chão. O cadarço desamarrado.
Com muito esforço ela se abaixou para amarrá-los. E as outras pessoas começaram a andar. Ela levantou a cabeça; o homenzinho vermelho tinha ficado verde. É preciso se mover, é preciso andar, é preciso não ficar parado. E os carros faziam barulho, impacientes. A larga avenida à frente e ela ali parada. O homenzinho verde a incentivando a se mexer. Talvez ninguém nunca a tivesse incentivado antes, talvez ela nunca tivesse prestado atenção. Sentiu vontade de sair correndo. O cadarço amarrado, a larga avenida vazia por uns segundos. E correu.
Ela nunca se sentiu tão livre na vida. Ou talvez nunca tenha dado atenção à sua liberdade. O vento na cara, os pés quase não tocavam o chão.
Os carros agoram corriam ao lado dela e buzinavam e gritavam "louca, louca" e xingavam, se assustavam. Era fim de tarde e o sol já tinha sumido atrás dos prédios. Correr. Correr e atrapalhar a vida dos outros. Isso era liberdade.
Já perto da esquina, ela ouviu sinos. Sinos de glória, sinos de vitória. Ou sinos da igreja marcando as seis horas?
Tarde demais ela percebeu que não eram sinos. Eram sirenes. Uma sirene. Ambulância. Vinda da outra rua, acertou ela em cheio quando cruzava a esquina, correndo. Voou até a calçada, batendo forte contra um muro. E que ambulância haveria de adivinhar uma maluca correndo às seis da tarde? (Eram mesmo seis da tarde? O sol se escondia atrás dos prédios.)
E a ambulância nem parou. Quem quer que estivesse morrendo sacudindo dentro da ambulância, provavelmente estava morrendo mais que ela. Ela nunca se sentiu tão viva em toda a vida, a cara sangrando, o corpo doendo.
Alguém haveria de se apiedar da cena patética. E se não, tudo bem. Quem precisa viver mais de uma vez na vida?
Do outro lado da rua, o homenzinho vermelho se impunha, a pose ereta, quase militar, ordenando que todo mundo continuasse parado. Ela baixou os olhos, acostumados a ver o chão. O cadarço desamarrado.
Com muito esforço ela se abaixou para amarrá-los. E as outras pessoas começaram a andar. Ela levantou a cabeça; o homenzinho vermelho tinha ficado verde. É preciso se mover, é preciso andar, é preciso não ficar parado. E os carros faziam barulho, impacientes. A larga avenida à frente e ela ali parada. O homenzinho verde a incentivando a se mexer. Talvez ninguém nunca a tivesse incentivado antes, talvez ela nunca tivesse prestado atenção. Sentiu vontade de sair correndo. O cadarço amarrado, a larga avenida vazia por uns segundos. E correu.
Ela nunca se sentiu tão livre na vida. Ou talvez nunca tenha dado atenção à sua liberdade. O vento na cara, os pés quase não tocavam o chão.
Os carros agoram corriam ao lado dela e buzinavam e gritavam "louca, louca" e xingavam, se assustavam. Era fim de tarde e o sol já tinha sumido atrás dos prédios. Correr. Correr e atrapalhar a vida dos outros. Isso era liberdade.
Já perto da esquina, ela ouviu sinos. Sinos de glória, sinos de vitória. Ou sinos da igreja marcando as seis horas?
Tarde demais ela percebeu que não eram sinos. Eram sirenes. Uma sirene. Ambulância. Vinda da outra rua, acertou ela em cheio quando cruzava a esquina, correndo. Voou até a calçada, batendo forte contra um muro. E que ambulância haveria de adivinhar uma maluca correndo às seis da tarde? (Eram mesmo seis da tarde? O sol se escondia atrás dos prédios.)
E a ambulância nem parou. Quem quer que estivesse morrendo sacudindo dentro da ambulância, provavelmente estava morrendo mais que ela. Ela nunca se sentiu tão viva em toda a vida, a cara sangrando, o corpo doendo.
Alguém haveria de se apiedar da cena patética. E se não, tudo bem. Quem precisa viver mais de uma vez na vida?