terça-feira, 3 de janeiro de 2006

Capítulo Dezessete - Maristela

Maristela era a garota mais linda do mundo. Pelo menos até eu ficar mais velho e conhecer outros mundos, outras mulheres... Morávamos num pequeno paraíso longe da civilização e dos seus pequenos prazeres tecnológicos, que hoje me são essenciais. Passeávamos, eu e Maristela, por aí, sempre à procura de novos lugares para fugirmos da vista de nossos pais.
Mas nosso local preferido era a Pedra do Grito (cujo nome muito se especulava a respeito, mas ninguém sabia nada de concreto. Deixemos isso de lado, no entanto). De lá tinha-se a vista mais linda da pequena vila e do mar. Ah, o mar... Verde e cristalino como há muito deixou de ser... Passávamos as tardes, vagarosas tardes, no alto daquela da pedra. Conversávamos, fazíamos planos para o futuro, admirávamos a vista e a companhia um do outro. Maristela foi minha primeira paixão, mas só hoje me dou conta disso. Se me dissessem à época que eu era apaixonado por ela (e devem ter dito, mas minha memória me trai), eu teria ficado nervoso, teria recusado a idéia, como é comum àqueles que ainda não se acostumaram com os hormônios da puberdade.
Naquele lugarejo o tempo parecia não passar... doce ilusão. O tempo passou, sim, e quando notei era tarde.
Um dia notei que algo incomodava Maristela, e ela enrolou pra falar: iriam se mudar, ela e a família, pra cidade grande. O pai recebera uma boa proposta, e aquela história toda de sempre, de toda história de amor.
Não quero te chatear, você que ouve minha história com tanta atenção, com detalhes mais melodramáticos. E também não quero lembrar detalhes de algo que ainda mexe no fundo... O fato é que ela se foi. E eu fiquei.
E os turistas chegaram.
Como convém a todo lugar ermo, praticamente intocado pela mão destrutiva do homem, alguém o descobriu. E achou lindo. E contou a outro turista, que também veio... Bom, não é preciso dizer muito mais. Em pouco tempo o lugar virou um ponto turístico dos mais prósperos.
E praticamente todo mundo da vila de pescadores, especialmente os mais novos, viram nisso uma forma lucrativa de ganhar a vida. Inclusive eu. Em pouco tempo adquiri um patrimônio considerável. E uma boa esposa, que veio da cidade grande pra morar comigo. Diga-se de passagem, muito mais bonita que Maristela, ao menos para os padrões comuns daqueles que ignoram os sentimentos individuais.
Nos mudamos pra cidade e deixei os negócios nas mãos de pessoas de minha confiança. Esse lugar enorme, impessoal, onde vejo o rosto de Maristela em cada garota na saída das escolas, dessas garotas que ainda acham o mundo lindo. Dessas que não sabem que a Maristela deve estar hoje casada com um cara rico e sem cérebro, mas que ainda pensa em mim toda vez que seu marido chega em casa tarde da noite. Que não sabem como é difícil terminar bem uma história de amor, se é que um dia acabam.
Se é que um dia acabam...



N.A.: 1-O texto acabou ficando muito mais sério do que eu esperava. Não sei por que...
2-Eu ia dar mais detalhes sobre a Maristela, mas cada um a imagine como quiser.
3-Isso vale também para os outros detalhes e aspectos não-explorados no texto.
4-Era só isso que eu queria falar.