segunda-feira, 12 de março de 2007

Capítulo Sessenta e Cinco - Gentileza

Às seis horas da tarde o ônibus sacolejava no sentido bairro. Já pelo meio do caminho, algumas pessoas em pé, uma senhora de sessenta e poucos anos estica o braço no ponto, forçando o coletivo a atrasar mais alguns instantes sua obstinada viagem. Degrau, degrau, degrau e um rapazote muito solícito se prontifica a ceder seu lugar num dos bancos para a pobre velhota, que docemente recusa.
-Já vou descer daqui a pouco.
Mas o rapazote vê nos olhos da velhota o quanto ela está cansada de um dia exaustivo.
-Não, pode sentar.
A senhora se comove com a gentileza do rapaz, mas recusa novamente a oferta.
-Eu não tô cansada, não. Pode ficar.
O rapaz, que é novo, mas não é alheio às dores alheias, vê lá no fundo dos olhos da velha o quanto ela está cansada de uma vida exaustiva.
-Mas eu faço questão!
A senhora, que nunca gostou muito de contrariar as pessoas, especialmente as pessoas que ela não conhece, até aceitaria sentar-se, se não tivesse que se levantar um ponto depois.
-Mas eu já vou descer!
-Mas a senhora disse isso a dois pontos atrás!
-Pois então, vou descer no próximo.
A essa altura, o rapaz já estava de pé, ao lado da senhora, que se recusava a se sentar. Atrás dos dois, um senhor de meia-idade olhava para o banco vazio, cansado depois de um dia de trabalho de pé na cozinha de um hospital.
-Olha minha senhora, por acaso você tem nojo de mim?
-Como é que é?
-Por que a senhora se recusa tão veementemente a se sentar no banco onde eu estava sentado?
-Nojo de você? Eu acho que você tá é meio maluco.
O rapaz agarra então o braço da velha. Gentilmente.
-Pois agora a senhora vai se sentar aqui!
-Me larga, seu doido!
O incidente, que já havia chamado a atenção de todos os passageiros, do cobrador, do motorista e até de um homem no caminhão ao lado, dividiu a opinião dos presentes.
-Deixa ela, rapaz. A senhora não quer sentar!
-Mas o rapaz só tava querendo ser educado! Custava ela aceitar?
E a velha tentando se soltar.
-Olha aí! Perdi meu ponto! Motorista! Motorista! Vou descer!
-Pois se a senhora vai descer, eu também vou! Quero ver se esse ponto é o seu ponto mesmo.
-Que isso? Vai me seguir agora?
E o motorista irritado.
-Eu não posso ficar aqui o dia inteiro esperando!
O rapaz puxa a velha pelo braço, forçando-a escada abaixo. A velha tropeça, cai no chão, levando o rapaz junto, os dois rolando até o meio-fio.
-Chama uma ambulância!
-Ah, agora vão levar ela pro hospital. Só pra disfarçar, por que eu sei que aqui não é o ponto dela. Não precisa, não. Ela que pegue o próximo ônibus.
O rapaz sobe no ônibus, senta-se no mesmo banco de antes. Olha para uma estudante, assustada com o que acabou de acontecer.
-Quer que eu carregue seu caderno?